A samambaia continuava lá, murcha e marrom, morta. Não importa o quanto eu me esforçasse, lá estava ela, me mostrando que eu não era bom naquilo. Não que eu tivesse alguma dúvida – mas Lissa, a rainha, tinha.
- Tente mais Adrian, você prometeu!
- Hey, eu estou tentando – eu disse em minha defesa – isso não é para mim.
Sentei na poltrona e apoiei os pés na beirada da cama real, tirando um cigarro de cravo do maço.
Lissa colocou as mãos na cintura e me olhou arqueando a sobrancelha.
- Acho que você bebeu! – ela disse enfática.
- Eu? – eu disse fazendo cara de ofendido – imagine alteza. Eu não seria desonesto com Vossa Majestade.
Lissa deu um daqueles sorrisos que só ela conseguia. Um daqueles que mostravam claramente porque ela era a rainha.
- Claro que não, não é Senhor Ivashkov. O que eu gostaria de saber é de onde vem este aroma de uísque.
Eu não pude deixar de engolir uma gargalhada, fingindo um ataque de tosse.
- Ah Lissa, uísque não é bebida!
- Não?
- Não para mim. Para mim é mais como café da manhã.
- Ah claro! Entendo.
- Sério. É mais algo como “cereal matinal”.
Nós estávamos rindo, quando a porta do quarto se abriu.
- Liss, eu... Eu...
Ela estava ali, parada, me encarando sem saber o que dizer. Seus olhos eram um misto de vergonha e surpresa com uma pitada desespero e o meu preferido: pena! – lá no fundo, o ingrediente principal era sempre pena. Pena por não ter sido capaz de me amar. Pena por ter tido coragem de me trair. Pena por não ter sido merecedora de minhas mudanças e principalmente: pena por estar feliz enquanto eu continuava me afundando em cigarros e álcool – não que eu me importasse, eu havia vivido vinte e quatro anos sem ela, não morreria por causa do ultimo ano.
- Meu desculpe, eu não sabia que vocês estavam...
- Adrian e eu estávamos treinando – Lissa tentou suavizar o ambiente – não é Adrian?
Eu queria sorrir meu sorriso mais sarcástico e perguntar como estavam as coisas no alojamento dos guardiões. Queria olhar nos olhos dela e dizer que não sentia mais nada e que estava feliz com sua felicidade, mas seria uma mentira forte demais. A verdade é que tudo que eu conseguia fazer era reparar em como sua pele parecia suave e seus cabelos macios. O quanto seu corpo estava absolutamente fantástico naquela calça preta e camiseta branca. Então, eu traguei o cigarro bem fundo, soltando uma nuvem cinza com a minha baforada.
- Acho que já terminamos – eu respondi encarando apenas Lissa – acho que é minha deixa, nos vemos depois.
Lissa tinha os olhos mais preocupados que eu já vira, ela não tinha ideia de como resolver a situação e isso a deixava frustrada e triste. Eu continuei lá, como um imbecil, imóvel.
Eu não conseguia olhar nos olhos dela. Aqueles grandes olhos escuros eram como duas facas apontadas para mim – eu não queria encará-la. Não estava preparado. E não estava simplesmente porque não conseguia pensar em nada educado para dizer. Nada havia mudado em relação ao que eu sentia. Nada. Eu não conseguia suportar a felicidade dela. Não conseguia suportar o fato de que tudo estava perfeito para todos e minha vida estava desmoronando feito areia ao vento.
- Como vai você Adrian? – Rose me perguntou – faz tempo que não nos vemos.
As palavras atravessavam meus ouvidos rasgando tudo dentro de mim. O simples som de sua voz era insuportável. Eu respirei fundo, mantendo minha postura superior.
- Bem obrigado – eu menti – tenho tentado me inteirar melhor dos negócios de minha família, portanto, sobra pouco tempo para vadiar pelas ruas da corte.
Eu havia sido o menos ríspido possível, embora tivesse plena noção da arrogância em meu tom de voz. Não importava. Na verdade, era bem melhor assim. Eu não tinha ideia alguma de me tornar amigo de Rosemary Hathaway. Eu não tinha ideia de me tornar nada dela, nada mais. Tudo que eu queria era que ela não ficasse tempo o suficiente em minha frente para que o ódio fervilhasse demais.
Saí o mais rápido que pude, tentando dissipar a escuridão em minha mente. Acendi outro cigarro, enquanto tomava um gole do uísque que agora fazia parte de todos os meus trajes.
Eu tentava me concentrar, tentava pensar com clareza, mas tudo parecia sumir como em um sonho. Eu sentia que não podia acordar. Que ia ser tragado pela escuridão e que nunca mais acordaria. Meu peito doía e eu não conseguia controlar minha respiração.
Caminhei sem rumo, cambaleando pelas ruas do complexo da corte, até que o chão pareceu sumir e eu me vi forçado a sentar no meio fio. “Bêbado idiota” – eu pensei.
- O que tia Tatiana pensaria de você agora? Hum? – eu provoquei meu reflexo na poça d´água – que é um fraco! Que não mereceu seu carinho! Que não mereceu nem o amor de uma Dhampir! Fraco!
As palavras ecoavam como se fossem ditas por outra pessoa: “Fraco!” – eu queria gritar, queria silenciar as vozes em minha mente, mas minha voz não tinha força. Acendi outro cigarro – eu precisava entorpecer a escuridão, embora eu precisasse de algo bem mais forte. Soltei uma baforada e vi a fumaça se esvair lentamente. Eu me sentia como aquela fumaça, sumindo, sendo tragado. Fechei os olhos e me deixei ir – talvez eu morresse e tudo tivesse fim.
“A montanha, meu querido, nunca deve se dobrar ao vento. Ela deve ser forte. Deve permanecer lá, forte, porque muitos dependem de sua força.” – as palavras de tia Tatiana ecoavam em minha mente. Quando eu era pequeno, tia Tatiana costumava me levar para caminhar. Era as melhores conversar que eu tive. As melhores lembranças também. Tudo que eu me lembrava de meu pai, eram brigas. Brigas pelo que eu fazia e brigas pelo que eu não fazia também. Minha mãe era complacente. Não costumava discutir com meu pai e menos ainda com tia Tatiana. “Seja como a palmeira, flexível. Nunca como o abeto. A dureza ás vezes é responsável pela queda” – eu particularmente, me sentia em queda livre.
Abri os olhos assim que senti a picada nos dedos - o cigarro havia chegado ao fim. Apaguei e lancei a ponta por cima do muro. Naquele momento, as palavras da antiga rainha ainda ecoavam, amortecendo as vozes da minha mente. Respirei fundo.
- eu queria ter forças, sabia? Queria ser o que todos esperam! Eu queria... Eu queria... - eu nem mesmo sabia o que querer.
Enquanto caminhava de volta para casa, parei um pouco e observei o lugar onde costumava ficar a estátua de Alexandra, e senti uma pontada de dor atravessar meu peito, pensando em como eu havia me arriscado por ela, quantas regras havia transgredido. Quanto amor havia dedicado, Naquele momento, olhando os restos da estátua eu jurei que nunca mais permitiria que outra mulher entrasse em meu coração. Eu não permitiria. Virei-me e forcei meus pés a tomarem o rumo de casa.
Eu não pude desviar, não houve tempo – a garota chocou-se contra meu peito como se não pudesse me enxergar, como seu fosse feito de vidro. Eu a segurei pelos ombros, evitando que se estabacasse no chão, afinal, eu ainda era um cavalheiro. Quando minha pele tocou a dela, uma sensação estranha tomou conta de mim, mesmo por cima da blusa que ela usava. Um formigamento suave e inquietante, como se milhares de fagulhas tocassem meu corpo. Era como se houvesse uma fogueira ali, acesa, forte, clara. Olhei ao seu redor - eu podia ver uma aura incomum a abraçando. Humanos não costumam ter auras assim. Geralmente são fracas e pulsantes, especialmente os que costumam caminhar pela corte, alimentadores. A aura da menina era uma sólida camada de luz, dourada e quente.
Ela gritou algum tipo de xingamento que eu sinceramente não ouvi, porque meus olhos estavam fixos nos dela, como se houvesse algum tipo de conexão. O que era quilo, verde? Azul? Não! Acho que era uma mistura dos dois com um pouco de âmbar – eu estava confuso.
- Você perdeu alguma coisa aqui? – ela me perguntou, insinuando o corpo.
Algo dentro de mim acordou – havia algo nela que me instigava a provocar. Tocando a ponta das minhas presas levemente com a língua, eu a esquadrinhei da cabeça até os pés.
- Não. Mas adoraria procurar mesmo assim – a resposta foi mais sincera do que pareceu. Eu sabia quem era a humana, embora não a conhecesse. Ou melhor, eu a conhecia sim. Só não havia percebido peculiaridade alguma até então. Era a alquimista. A alquimista que havia ajudado Rose e Lissa. A alquimista que havia sido presa por isso.
Ela continuava me encarando, com os olhos oscilando entre desafiadores e apavorados, como se eu representasse uma ameaça – o que não era uma completa mentira. Algum tempo depois, ela se virou bem devagar e se foi, calculando o ritmo dos passos, como quem foge de um predador.
- Alquimista? – eu a chamei e ela se virou lentamente – boa sorte!
Eu não esperava que ela corresse e se lançasse em meus braços – embora algo em mim não tivesse certeza do que desejava – mas ela me surpreendeu quando apenas balançou a cabeça. Acho que eu esperava pelo menos um “Obrigado” ou talvez eu esperasse que ela corresse amedrontada. De qualquer maneira, sua reação me arrancou um sorriso mais sincero do que eu esperava.
Observei a humana até que ela se perdesse no fim da rua de pedras – enquanto olhava para ela, era como se as vozes em minha mente permanecessem silenciosas, apenas observando.
Abri a porta e entrei, encontrando minha mãe na sala de estar.
- Acha bonito o que vem fazendo?
Não, eu não achava. Também não me agradava em nada as discussões que ela insistia em começar. Eu sentia minha cabeça fervilhar como um caldeirão em fogo alto. Caminhei até o bar, destampei a garrafa de uísque e servi uma dose. Sentei no sofá e coloquei os pés sobre a mesinha de centro, tomando uma golada e esperando que o efeito viesse rápido.
- E exatamente de quê estamos falando neste momento? – eu soltei sem vontade.
- Não me irrite Adrian Ivashkov! Não me irrite com seu sarcasmo! Acha que a subalterna merece sua derrocada? É o que acha que nós esperamos de você?
Suspirei profundamente – novamente, não, eu não achava.
- Em minha defesa, eu disse acendendo outro cigarro, eu estava com a rainha.
- Tatiana?
- Lissa, uma vez que não tenho o dom de falar com os mortos, ainda – eu disse sarcasticamente, embora estivesse tão próximo de me tornar um zumbi que nem me espantaria se começasse a ver espíritos desencarnados.
- Rainha! Rainha! Vasilisa é uma menina e não uma rainha!
- Bem, ao contrário do que você pensa, mamãe – eu disse me levantando e beijando sua testa – o mundo tem opiniões diferentes das suas.
Subi os degraus de dois em dois, tentando aumentar o máximo possível a distancia entre os xingamentos e minha consciência.
Abria a janela do meu quarto e observei a vista, enquanto terminava com o uísque. Era começo da manhã no mundo humano e por um instante, pensei para onde a garota iria. Sidney, o nome não deixava minha mente.
Desci a escada rapidamente, desviando do meu pai e passando pela porta antes que alguém pudesse se opor. Tirei a chave do bolso e entrei no BMW, era ridículo, mas eu precisava ver aonde a garota ia.
Eu não a encontrei. Mesmo dirigindo a mais de 120 km por hora, ela pareceu desaparecer como um fantasma – talvez fosse mesmo um. O que explicaria a estranha sensação que tive ao tocá-la. Dirigi um pouco mais, até que as luzes da cidade ficaram cada vez menos espaçadas.
Já era manhã quando eu estacionei em frente ao Starbucks – uma boa dose de cafeína talvez me ajudasse a colocar as ideias no lugar. Desci do carro ajeitando os óculos escuros em meu rosto – um Moroi como podia suportar a luz do dia, mas os olhos sempre ficavam vermelhos e os meus, bem, tinham boas razões para estarem vermelhos.
- Um expresso Double, por pavor – eu pedi a ruiva á minha frente.
Ela me encarou com seus olhos marrons e em seguida ajeitou o decote um pouco mais para baixo – estranho como os humanos reagiam á minha espécie. Eu sorri.
- Gostaria de algo para acompanhar, senhor?
Eu pensei um pouco – quais eram minhas opções? Sentar e me lamentar, ou sorrir e aproveitar. Escolhia a segunda.
- O que você me indica, Andie? – eu disse, usando um leve sorriso e lendo o nome no crachá.
Alguns minutos depois, Andie estava no banco da BMW, abrindo os últimos botões da blusa, enquanto eu apertava sua carne contra a minha – estávamos no estacionamento atrás do café. Ela era jovem e bonita e seus cabelos pendiam em ondas regulares até a cintura. O corpo era bem torneado e a pele suave e branca, mas eu não queria beijá-la. Nem desejava tocá-la. Sua boca tinha um gosto estranho e ferroso como pregos em uma vasilha de água. Mesmo assim, eu insisti. Fechei os olhos e me deixei guiar apenas por instinto. Um pouco mais, um pouco mais. Senti o corpo quente de Rose. Suas curvas. Seu cabelo macio se enroscando em meu peito, enquanto eu a beijava. Senti minhas presas em sua pele, roçando, mordiscando.
- Hum – eu gemi.
Minhas mãos seguravam seu pescoço no lugar exato, seu queixo estava levemente erguido, facilitando o acesso da minha boca. Eu tateava sua pulsação com a língua, afastando seus cabelos, suaves. Sua pele clara e cremosa arrepiando-se com a minha respiração. Cravei minhas presas em um único golpe, sugando o liquido quente, doce. Minha mente estava presa naquela fantasia. Não era mais a garçonete que eu tinha em meus braços. Era... – abri meus braços para comtemplar e arremessei meu corpo contra aporta do carro – era a alquimista! Sidney.
Usei compulsão para apagar as lembranças da mente de Andie – eu não teria como explicar a mordida, nem o sangue vermelho e espesso se escorria em uma linha fina pelo canto da minha boca. A garota desceu do carro como se nada tivesse acontecido e caminhou de volta para a Starbucks.
Sentei novamente no banco do motorista, alisando os cabelos para trás – tudo que eu queria entender era porque a garota humana havia tomado conta da minha mente se tudo que eu queria era me lembrar de Rose.
Liguei o carro e dirigi com a mente ainda mais confusa – retomar a consciência não seria tarefa fácil.
1 comentários:
Nossa agora sim eu quero ver onde a fic vai terminar rsrs ainda mais sobre o gatinho do Adrian e a Sidney.
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