A noite continuava calada, soprando aos poucos pequenos sons nocturnos. A cada passo lento que dava, mais sentia que algo estava errado naquele momento. Estava tudo muito silencioso. Silencioso até demais. Seria uma emboscada? Não. Não podia mesmo ser isso. Quer dizer, se fosse, a esta hora já se viam um enxame de pessoas com crucifixos e estacas à procura de vampyros para matar. Coisa mais estúpida, mas a parte das estacas resultava com a maioria de nós. Principalmente quando estávamos indefesos e completamente vulneráveis e susceptíveis a qualquer ataque iminente.
Agora que penso nisso, muitas das crenças baseadas em nós tinham algo verídico em si. Senão, não existiam lendas nem mitos. Sempre que imaginava uma pessoa feita maluca com uma faca à procura de alguma criatura vampírica para lhe retirar a vida, ria-me indefinidamente sem sequer perceber que me causava uma ausência aparente do mundo exterior. Algo inquietante rodeava o ar à minha volta. Algo não humano. Era outra vez a mesma sensação que possuíra ontem. Sentia medo. Seria apenas impressão minha ou será que estava na cidade um vampyro?
Podia estar à minha procura e levar-me para uma daquelas Casas da Noite, obrigando-me a passar lá no mínimo 4 anos a estudar e a ter esperanças de não morrer e completar com sucesso a mudança. Mas ia dar luta a quem quer que fosse. Ninguém me obrigara a nada enquanto humana. E muito menos me obrigariam enquanto vampyra em formação. Mas tinha de manter o respeito. Pelo menos, posso tentar ser um pouco educada. Nada me proibia de o ser.
Cheguei ao café Monsuit com um nervo miudinho a percorrer-me a espinha. Estava a ficar paranóica com aqueles pensamentos de um novo vampyro estar na cidade ou a estar a rondá-la com afinco. Abri a porta devagar e entrei sem levantar a mais pequena suspeita. Olhei para a televisão exposta na parede do lado oposto ao meu. Um jornalista relatava mais uma morte na zona de Riley Parle. Isto fazia-me levantar inúmeras perguntas sem razão nenhuma. Não tinha nada a ver comigo. Mesmo que tivesse, já havia saído a correr de Vancouver e ido para uma zona desolada, onde não houvesse ninguém.
Sentei-me no meu canto habitual, apesar de já ter reparado que havia alguém sentado lá. Estava nervosa, porque nunca ninguém havia-se sentado ali. Só eu e somente eu. Mas decidi ficar calada. Pedi gentilmente um café e fiquei à espera que mo trouxessem. Madeixas do meu cabelo continuavam a cobrir a minha marca, acabando por servir de máscara protectora. O que é que as pessoas pensariam de mim se soubessem? Provavelmente chamariam o Povo da Fé e cortavam-me a cabeça. Medo era do que eu transbordava.
As conversas amontoavam-se à medida que cada minuto circundava o tempo. Mais conversas da treta que envolviam maioritariamente as politiquices do costume. Que raiva que aquilo me dava. Por dentro, estava a gritar que nem uma louca. Não sabia mesmo como podia aguentar a mesma rotina, os mesmos gestos e o mesmo silêncio. Mas não tinha nada com que me queixar. Eu assim quis que fosse assim. Foi aquela decisão que tornou tudo claro. Tornou-me na pessoa que sou hoje. Uma refugiada à procura de salvação.
Pressenti que um olhar se dirigia perante mim, o que fazia com que a minha inquietação apenas tomasse um nível mais elevado. Não gostava de ser uma espécie de pessoa a que alguém se desse ao trabalho de tomar atenção, quando isso poderia pôr em risco a minha vida. A maioria das pessoas pensava que os vampyros apenas bebiam sangue para seu próprio benefício e para se alimentarem quando necessário. Que eram completamente fracos à luz do sol e que só andavam a pé à noite. A última parte condizia bem comigo, visto que as horas andavam todas trocadas comigo.
Virei o meu olhar para o lado para ver quem é que estava a incomodar-me com o olhar inquietante. Era um rapaz. Não lhe dava mais que 17 ou 18 anos. Tinha cabelo loiro grosso ondulado até à zona onde começava o pescoço. A sua pele era muito clara. Clara demais para uma pessoa normal, de facto. Não conseguira ver totalmente a cor dos seus olhos mas o seu reflexo brilhante deles deu para perceber que deviam ser não muito escuros. Mantive na mesma o mesmo cuidado que mantivera com todos os humanos com quem mantinha poucas conversas. Não ia arriscar. Mais vale prevenir que remediar, certo?
As suas sobrancelhas estavam carregadas e suavemente arqueadas, não desviam a sua atenção em mim. Não estava habituada a sentir-me observada. Na verdade, não gostava. Na minha antiga vida, quando se punham com aqueles olhares inquisidores e atrofiados, significa que queriam que eu falasse sobre algo ou desabafasse qualquer problema que tivesse a ter no momento. Baixei o olhar, lendo os cabeçalhos de uma revista que estava posta no canto inferior da mesa. Rangi um pouco os dentes por dentro dos meus lábios, com o ímpeto de conversa a mínima palavra e vontade que tinha em lhe perguntar por que é que estava a olhar tão atentamente para mim.
A música de ambiente do bar mudou para uma mais calma, alternando entre melodias clássicas e modernas. De música, percebia muito pouco. Mas apreciava uns quantos sons. O silêncio estava constantemente a ser interrompido pelos ruídos causados pelo resto dos humanos sentados à minha frente e atrás de mim. Tornava-se um pouco sufocante suportar aquilo tudo. Mas tinha que estar caladinha e meter-me nos meus assuntos.
- Não és humana, pois não? – Perguntou o misterioso rapaz. Foi então que paralisei por completo e fiquei em estado em choque.
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